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Trans reivindicam seu direito de ser, estar e permanecer na universidade

Agressões físicas e morais, além de variados tipos de violência fazem com que a maioria desses sujeites* seja afastada das escolas e não chegue sequer à universidade, mas toda regra tem sua exceção

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(Foto: Pedro Meneguet)

          “Estou em TRÂNSito”, de cá para lá, de lá para cá. Seja nos corredores da Universidade ou pela cidade, Fredd sempre chama atenção por onde passa. São os olhares curiosos, às vezes incomodados, que ainda não se acostumaram com suas saias, tranças, brincos, cores e presença. No meio de tantas pessoas, cada uma com sua singularidade, na correria do dia a dia, a grande maioria não tem consciência sobre o que essa presença provoca, seja nas ruas, na Universidade ou outros espaços sociais. 

          Dos seus 33 anos, 15 foram passados dentro das salas de aula, como aluna e como professora. Sua trajetória e sua identidade, de certa forma, foram construídas juntamente com sua formação acadêmica. Sua jornada começou em 2005, quando entrou na Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo para cursar História. Já formada, em 2010, mudou-se para Ouro Preto e ingressou no curso de Museologia na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com a intenção de complementar sua formação. Cursou até o 5º período, mas não concluiu, entendendo que sua busca por conhecimento, naquele lugar, havia acabado e era hora de buscar novos caminhos. Em 2014, entrou para o mestrado em Artes Cênicas da UFOP. Ali lhe foi permitido começar o questionamento e confronto com a sua identidade, e assim, começou a se descobrir. Sempre lembrando da importância de ocupar esses espaços, que são públicos, lutou por direitos, resistiu, construiu coletivos, pensando na inclusão desses sujeitos excluídos e esquecidos pela sociedade.

         “Reivindico para mim, o direito de ser um monstro! E que outros sejam o normal”, parafraseando a ativista argentina, mulher trans, Suzy Shock, Fredd analisa com veemência: “hoje em dia, tenho reivindicado para mim, assim como Suzy Shock, o direito de ser um monstro, o direito de ser uma bicha, o direito de ser uma travesti, o direito de ser e existir”. Ela, que se autodenomina "bicha preta travesti não binária", não se prende à nenhuma norma de identidade de gênero. Por ainda não ter encontrado um nome que a defina por inteiro, Fredd dá liberdade ao seu corpo para percorrer caminhos com fluidez, de acordo com suas necessidades e descobertas. “Quem sou eu? Tenho pensado muito sobre isso nos últimos meses e tenho descoberto com isso que eu estou sendo. Nós estamos sendo alguma coisa. O nosso processo de existência é inacabado. Sou uma coisa inacabada.  Hoje, eu sou Fredd Amorim, bicha, preta, travesti. Uma pessoa que ocupa o mundo, que ocupa um lugar no mundo. E que muitas vezes, perante a sociedade, eu sou privada de ser, genuinamente, plenamente, o que eu sou. Por que reivindicar o direito de ser um monstro? Porque é assim que a sociedade nos vê”. A sua transição se deu dentro da segunda graduação e é por esse fato que ela se considera privilegiada em relação aos seus pares trans. Essa prerrogativa a coloca em uma posição de responsabilidade para continuar a lutar por direitos e para que a ocupação desses lugares seja ainda maior por corpos trans. Hoje, como professora licenciada em História, produtora artística e performer, Fredd entende que luta é diária e interseccional, pois abrange vários outros estigmas. Enquanto sujeita negra, por exemplo, as dificuldades sempre estiveram presentes. 

         

(Fotos: Samuel Consentino / Arhtur  Medrado / Pedro Meneguet)

          Em 2017, Fredd viu o Coletivo “Diversidade Ouro Preto” se transformar em Coletiva “Queerlombo”, a partir das demandas que existiam na própria UFOP e, também, fora dela. “Nós estamos tentando expandir o nosso movimento para fora, sempre trazendo essa noção de aquilombamento”. Pensando em todos esses fatos que aterram a sociedade tradicional, Fredd encontrou saída na “Queerlombo”, uma Coletiva - isso mesmo, no feminino, porque Fredd se refere dessa forma a quase tudo que fala - onde é acolhida, respeitada e enxerga diferentes pessoas coexistindo em um mesmo espaço. “Querendo ou não, é um lugar de privilégio, um espaço onde me era permitido estar, mas a universidade ainda possui muitos mecanismos transfóbicos e de opressão de gênero”, explica Fredd. A partir dessa concepção, o grupo começou a levantar questões e reivindicar os direitos para pessoas trans, com o objetivo de construir um lugar seguro para que possam existir plenamente “Hoje em dia, o meu objetivo não é desconstruir nada, eu não quero mais desconstruir. Já estamos cansadas de desconstruir. Já desconstruímos muitas coisas: paradigmas de gêneros, de sexualidades, de existências. Agora estamos retornando para o centro para construir. Queremos reconstruir, erguer novos espaços onde nós possamos ser plenamente, onde possamos estar juntes. Estamos erguendo espaços onde podemos estar seguras, onde possamos trocar afetos, onde possamos nos amar, exercer a nossa arte, onde possamos ter, plenamente, cidadania. E quando falo de cidadania, estou falando de direitos humanos de existência, a garantia desses direitos”.

          A Queerlombo surgiu na Universidade por meio da iniciativa de alunos e alunas que se juntaram para dar visibilidade ao tema. Atualmente, alunos e alunas, ex-alunos e ex-alunas da UFOP contribuem para o crescimento e amadurecimento do projeto, além do possível encontro com as necessidades e singularidades, seja em sujeitos individuais e no próprio grupo. Fredd explica o objetivo do movimento: “estamos tentando criar formas para que outras pessoas cheguem ao movimento. Principalmente, as que estão em Ouro Preto, Mariana e região. Primeiramente, para trazermos essa questão de pertencimento, porque, querendo ou não, nós somos pessoas que estamos em trânsito na cidade”. O foco da Queerlombo é agregar, cada vez mais, a comunidade às atividades para que, de forma global, possam, juntos, propor e pensar em ações que contemplarão as existências e as particularidades dos indivíduos, pessoal e coletivamente.

         Desde 2015, produzem a Semana da Diversidade, que acontece uma vez por ano. “Estamos tentamos trazer vários assuntos sobre o tema. Em algumas edições, a abordagem foi bem específica: como ‘a bicha preta’, ‘visibilidade lésbica’; e, com esse guarda-chuva de possibilidades do assunto, fazemos ações artísticas, rodas de conversas, palestras; trazemos pessoas de fora para trocar experiências e relatos, tentando possibilitar um espaço de acolhimento, também, para as pessoas que são da universidade e da cidade para, assim, tornar possível o exercício de suas existências, de se encontrarem, se divertirem”. A Semana de Diversidade é um espaço de grande potencial, uma vez que pessoas de outras cidades participam do evento. Assim, gera certa visibilidade para a Coletiva e para o movimento dentro de Ouro Preto e região. “Nosso desejo é, principalmente, que as pessoas participem conosco de forma mais ativa, propondo, trocando, ocupando e fazendo parte desse espaço”. 

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