Transvest: lugar de acolhimento e mudança
Sala de aula da ONG/cursinho Transvest (Foto: Lettícia Lages)
Criada em 2015 pela professora de literatura do Colégio e curso pré-vestibular Bernoulli, em Belo Horizonte, Duda Salabert, a ONG tem como objetivo acolher e incluir a população trans na sociedade. Por meio da educação democrática ajuda a gerar mudanças na vida dessas pessoas, criando oportunidade de estudos para que possam ser respeitadas na sociedade e no mercado de trabalho. O projeto oferece cursos preparatórios para o vestibular, supletivo, curso de línguas, música, palestras e outras atividades direcionadas ao público LGBTQ+. Além das aulas de praxe, eles e elas encontram acolhimento. A Transvest vai além e foge do padrão das tradicionais salas de aula. As paredes grafitadas e as frases de empoderamento pelas paredes constroem um ambiente que abraça os que tanto são rejeitados pela sociedade. A escola que, deveria ser uma rotina para a maioria, para eles remete à traumas de todo o preconceito que enfrentaram nas escolas.
Da inquietação de Duda Salabert nasceu a Transvest. “A cada tijolo colocado na Transvest, era um colocado em mim”. A ONG foi criada como uma forma de exercício da cidadania. Assim que Duda se reconheceu como travesti, passou a pesquisar e a se deparar com números alarmantes sobre seus pares. Ela fugia a todas aquelas estatísticas, mas seus pares não. A maioria deles era expulsa da casa ainda cedo, por falta de aceitação familiar e, por isso, não conseguiam estudar. Cerca de 91% das travestis, em BH, não concluíram sequer o Ensino Médio. E a falta de estudos gera falta de oportunidades. Na hora de procurar emprego, se você é trans ou travesti, você provavelmente já é excluída da vaga. Desses 91% sem estudo, 90% estão na prostituição, não por escolha, mas por falta de oportunidade. A sociedade patriarcal criou a concepção de que a única alternativa para as travestis é a prostituição. Mais que isso, o patriarcado julga a prostituição como “o grande esgoto da sociedade”. Duda traz a prostituição de um outro ângulo: a prostituição é uma forma de subversão, transgressão do patriarcado. É uma forma de resistência e emancipação das mulheres. “O corpo é meu e eu faço com ele o que eu bem entender. As prostitutas não vendem o corpo, vendem o sexo. Para as trans, a prostituição é uma forma de seus corpos existirem. As prostitutas cumprem um papel social. Se não tivesse a prostituta, a sociedade seria mais doentia”.
Mulher trans ou mulher cis, todas elas sofrem, em algum momento, com a “putafobia”, que é a discriminação e violência pelo fato de serem prostitutas. Duda acredita no empoderamento dessas profissionais. Não só como profissionais do sexo, mas, principalmente, despertando a consciência de que elas, como mulheres, são capazes de terem liberdade e poder para fazer o que quiserem.
Um dos motivos é a baixa escolaridade dessas pessoas, que decidem largar os estudos ainda no Ensino Fundamental devido à falta de acolhimento e preparação das escolas para receberem essas crianças. Muitos abandonam até mesmo a própria família por causa dessa rejeição, o que, muitas vezes, apresenta uma consequência futura. A falta de estudos, a necessidade de trabalhar para sobreviver e preconceito da sociedade em proporcionar oportunidades de trabalho é o que, na maioria dos casos, reverbera na prostituição desses corpos, sendo uma solução, praticamente, única. E é nesse contexto que a Transvest surge, para contribuir com a mudança de algumas dessas vidas.
As relações das pessoas trans, em sua grande maioria, acabam ficando fragilizadas. Relacionamentos amorosos, familiares, profissionais, se tornam limitados pelo sentimento de transfobia internalizada da outra parte. “Quantas trans estão sozinhas, conhecem o sentimento da solidão, e não porque querem, mas porque existe uma solidão estrutural para pessoas como nós. Não nos aceitam, não nos respeitam e não nos dão oportunidade”, desabafa Duda.
Todos estão em busca de uma realidade diferente daquela foi imposta. A Transvest se torna um ambiente de autoconhecimento e valorização da própria identidade. Um lugar onde o preconceito não tem vez nem voz. Onde a arte e toda forma de identidade são aceitas como parte de um todo.
A ONG, que se mantém com doações, vaquinhas online e da boa vontade dos voluntários que atuam como professores e funcionários, é totalmente gratuita para os alunos e alunas. Em meio a uma sociedade caótica e transfóbica, em sua maioria, pessoas diferentes se unem para criar oportunidades de melhoria na vida de sujeitos desconhecidos e dignificar seus futuros. Todos são bem-vindos, seja para estudar ou para contribuir de alguma forma. “A Transvest nos acolhe enquanto ser humano, aqui dentro eles não ficam perguntando ‘você é isso ou aquilo?’. Não são só as aulas que os professores vêm e ‘pá’, colocam lá para nós. Aqui eu aprendi a lutar pelos meus direitos. Hoje eu sei que meu lugar pode ser onde eu quiser. É o empoderamento que eu aprendi com a Duda, sabe?”, Michelly Colt, aluna trans da Transvest, defende a bandeira do orgulho trans de um jeito voraz.