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Feminismo para todas

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(Foto:Pedro Meneguet)

          O feminismo é um movimento social e político que luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, rompendo com os padrões patriarcais da sociedade. Buscando a emancipação da mulher e questionando a hierarquização dos sexos, o movimento originou-se no século XIX e foi se desdobrando em várias vertentes.

         Contendo algumas falhas, a primeira onda do movimento não abrangia todas as mulheres - majoritariamente composta por mulheres brancas, intelectuais, do Reino Unido e dos Estados Unidos. Dessa forma, a partir da década de 1980, as mulheres negras incorporam-se ao movimento com suas próprias especificidades e demandas.  Nomes como Angela Davis, Bell Hooks, Kimberlé Williams Crenshaw, Patrícia Hill Collins e Audre Lorde, compõem o time das principais militantes e teóricas do feminismo negro internacional. No Brasil, pode-se citar Sueli Carneiro, Nilma Lino Gomes, Jurema Werneck, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Nilza Iraci, Beatriz Nascimento e Djamila Ribeiro. Ao ressaltar a relevância da participação de mulheres negras no movimento, as ativistas puderam consolidar suas ações e formular novas estratégias, transformando o feminismo não só no âmbito nacional, como também no internacional, passando assim a contemplar um maior e mais variado grupo de mulheres.

          Embora o movimento tenha crescido e alcançado cada vez mais pessoas, o feminismo é, ainda, muito segregado. As causas aproximam-se, mas não são as mesmas. O feminismo negro, por exemplo, visa combater além da desigualdade entre os gêneros, a divergência racial. Obviamente, uma causa não se sobrepõe a outra. Entretanto, o movimento feminista negro ainda é um movimento isolado, uma vez que a mulher negra é duplamente discriminada: pelo gênero e por sua raça.

Nos últimos 20 anos, surgiu uma nova corrente feminista, que vem ganhando força e espaço dentro dos debates, principalmente, na internet. O transfeminismo vem para tratar de questões referentes às mulheres trans. Devido à falta de visibilidade nos grupos sociais e de representação dentro do movimento feminista em um contexto geral, a comunidade trans se mobiliza para construir seu próprio movimento e ganhar autonomia na luta de seus direitos. As mulheres trans são vítimas de preconceito em duas grandes esferas: pelo grupo LGBT, que as reconhecem como trans, mas possuem políticas gay-lésbicas muito sólidas, que defendem os próprios interesses, deixando à margem as demandas da identidade de gênero; e pelas mulheres, que, também, as reconhecem como pessoas trans, mas que, em muitos casos, não aceitam serem representadas por uma mulher trans. Uma vez que compartilham o pensamento bioessencialista, que exclui essa categoria por não terem nascido biologicamente como mulher. 

A socióloga Berenice Bento chama atenção para o termo designado ao nascer é uma forma de evitar esse bioessencialismo e de repensarmos de forma crítica o fato de considerarmos os corpos como masculinos/femininos. Uma vez que, gênero é uma condição social imposta no momento do nascimento como uma forma de controle do patriarcado heteronormativo.

         Para Hailey Kass, fundadora e coordenadora do Coletivo Transfeminismo, o feminismo tradicional exclui a mulher trans enquanto mulher universal, pois enxergam essas sujeitas como homem, ou por ainda possuir o genital masculino ou porque não foram designadas mulher ao nascer. Dessa forma, o feminismo tradicional não possui movimentos voltados para mulheres trans devido à exclusão desses corpos enquanto mulher. Esse posicionamento é fortemente criticado por ativistas trans e pelo feminismo negro, pois ressaltam que o feminismo tradicional não abarca todas as mulheres e mulheridades, mas sim o estereótipo da mulher branca, heterossexual e de classe média. E a partir desses fatos, viu-se a necessidade de criar mais vertentes do feminismo de modo que todas as mulheres pudessem ser representadas, cada uma com sua singularidade.

Cria-se a vertente do feminismo interseccional que defende a utilização de um recorte de opressão e vivência nas estruturas sociais de dominação-exploração.            As feministas interseccionais partem da premissa de gênero, de condição de gênero, de etnia, de lugar, de classe, de orientação sexual, onde se reconhece que as mulheres possuem opressões diferentes e necessidades individualizadas. Partindo da ideia de que cada indivíduo é único, todas as mulheres, independente do gênero, etnia, sexualidade, faixa etária, peso, altura, classe social, já sofreu ou ainda sofre com o machismo, a misoginia, o androcentrismo, o falocentrismo, que são, por sua vez, pilares do patriarcado. 

        A sociedade é regida por padrões heterossexuais. Existe uma lógica de existências regida por uma heteronormatividade compulsória, que diz em qual caixinha você deve se enquadrar. Normalmente, isso é apresentado de forma binária. Ou você é homem ou você é mulher. Koda lembra que “não existe uma leitura social não binária, então eles sempre vão me ler como homem ou como mulher. Isso me causa muito incômodo porque as pessoas estão sempre me vendo de uma forma que eu não quero que vejam”. O fato dessa sociedade ser norteada por essa heteronorma coloca os sujeitos que fogem desse fundamento, como aberrações e corpos abjetificados. Sobre a opressão de gênero, Fredd é incisiva: “existe uma emergência que precisa ser pensada, no que diz respeito a essas opressões que reproduzem e geram, também, outros fatores, como o extermínio dessas pessoas. Quem não se enquadra numa lógica binária é, automaticamente, um corpo indesejado pela sociedade. A comunidade acaba criando um mecanismo para apagar essas existências, ou seja, a sociedade, tem uma liberdade, uma prerrogativa para eliminar esses corpos. Podemos observar nos casos de assassinato, que acontecem todos os dias, o requinte de crueldade de como esses corpos são eliminados. Não é, simplesmente, eliminar, é apagar mesmo a existência dessas pessoas. Um verdadeiro abate”. A transfobia e o assassinato desses sujeitos aparecem como uma forma de higienização da sociedade.

         Além da heteronormatização, o patriarcado orienta e conduz a forma como a sociedade age. Dessa forma, o movimento feminista se faz, cada vez mais, necessário às mulheres, cis e trans, brancas e negras, homo e heterossexuais, ricas ou pobres. Fredd Amorim, militante também nessa área, diz que está se descobrindo enquanto mulher feminista. “Tenho buscado uma lógica mais transfeminista, que abarca todos os corpos. Porque a ideia do feminismo é que ele aconteça de forma interseccional, pensando em todas essas mulheres. Precisamos pensar nessa pirâmide do feminismo, em todas as possibilidades de existência, todas as formas de ser mulher. Quando falamos de opressão de gênero e feminismo, é pensar que dentro do feminismo existem vários tipos de mulheres que sofrem determinados tipos de opressão, de formas diferentes. Pensando em todas essas possibilidades de existência e resistência em todos esses corpos e em todas essas mulheridades”.

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