top of page

Furacão Michelly Colt: uma mulher que faz e acontece

IMG_9058.jpg

Michelly na sede da ONG/cursinho Transvest(Foto: Lettícia Lages)

            De pé, sem parar um segundo, andando de um lado para o outro, lá está Michelly Colt, mas poderia ser chamada de Furacão Michelly. Por onde passa é alvoroço, correria e como ela mesma diz, “babado, confusão e gritaria, ‘tá’ bom, meu bem?” Essa é a mulher que conhecemos no primeiro dia de visita ao Transvest. Ao primeiro sinal de simpatia, ela revida. Foi assim: chegamos à ONG acompanhada da fundadora Duda Salabert e fomos recebidas com o cheirinho do café da Michelly e da sua agradável presença. Michelly é mulher de sorriso fácil, longas gargalhadas e personalidade fortíssima. É mulher com força! Trabalhando como secretária da Transvest desde sua fundação, é, também, aluna participativa nas aulas. “Nós temos que aproveitar essa oportunidade, né, gatas? Não é todo dia que nós achamos gente querendo ajudar”. Um pouco desconfiada das nossas reais intenções ali, volta e meia, sentíamos os “rabos de olho” de Michelly. Também, pudera ser desconfiada, nessa condição, não é questão de caráter e, sim, de sobrevivência.

           Aos 38 anos Michelly, mulher transexual, lésbica, negra, conta que sua vida nunca foi fácil. Por trás do sorriso, do seu jeito irreverente e da sua língua sempre afiada, com uma resposta para tudo, a travesti quase nunca deixa transparecer o seu passado árduo. “Nossa, minha vida dá um livro, com certeza. Eu já fiz de tudo um pouco, meninas”. De Governador Valadares, Michelly foi adotada por um casal e veio para Belo Horizonte, depois para Ribeirão das Neves. De família humilde, pai lavrador e mãe lavadeira, teve poucas oportunidades no começo da sua vida. Estudou até a 7ª série e foi forçada a deixar os estudos, ora pelas constantes mudanças de casa e cidade, ora pelos constantes preconceitos que sofria. Começou sua transição aos 17 para 18 anos e, sem outra alternativa, foi parar na prostituição pela primeira vez. “Não vou falar que nunca fiz [prostituição] isso. Já fiz, sim. Precisei fazer. Mas hoje em dia vejo que não é o que eu quero para mim. Me sentia um pedaço de carne, sabe?”. Aos poucos, Michelly começa a contar a sua história e vamos ficando boquiabertas. Como a maioria das transexuais e travestis, ganhou a vida nas ruas, até que conheceu um senhor com quem ficou por uns anos, mas que, por rejeição da família dele, tiveram que se afastar. Michelly conta que chegou a trabalhar em um emprego formal, onde começou o seu processo de empoderamento, porém, por sofrer transfobia deixou o local ficando alguns meses desempregada. Foi para o Rio de Janeiro tentar melhorar de vida e trabalhar como doméstica. Não deu certo e voltou a se prostituir.

           No meio desses planos frustrados, a Transvest chegou para Michelly como forma de abrigo, alento e uma luz no fim daquele infinito túnel. Na ONG aprendeu sobre o empoderamento trans, ampliou seus conhecimentos e expandiu seus horizontes. Mesmo não tendo um “grau de estudo elevado”, como ela mesma diz, sempre teve uma cabeça muito aberta e definida sobre sua transgeneridade. “A sociedade é assim, meu bem, você já veio errada para ela. Então, se você não tem uma postura empoderada para eles, no dia a dia, aí você não é nada você nem existe. Eu me esforcei para ter um ganho aqui dentro e ter uma postura melhor para que a sociedade pudesse me ver como pessoa". Ela fala do estereótipo que a sociedade tem das pessoas trans e que não se encaixa, nem nunca se encaixou nessa convenção.

          Michelly tem a personalidade empoderada, mas confessa que nem sempre foi assim e que, muitas vezes, “prefere não causar”. Leva a vida muito numa boa, morando com seus pais e seu irmão. Conta que não sofreu rejeição por parte de nenhum familiar e sempre foi muito bem aceita. “Isso já é uma vantagem, né? Porque muitos que frequentam aqui foram rejeitados pela família. Eu tive sorte, na verdade”. Ela sabe que as coisas para pessoas trans são muito mais difíceis, violentas, conturbadas, em todos os aspectos. Ela vivencia essa dificuldade. Há uma curiosidade por parte dos sujeitos na sexualização desses corpos, mas, ao mesmo tempo, uma repulsa. “As pessoas que nos agridem, nos criticam e nos abusam, são as mesmas pessoas que nos procuram nas madrugadas, nas pornografias, nas redes sociais. Tá curioso? Pesquisa no google, meu bem!". De forma irreverente, ela vai conduzindo a função da sociedade em boicotar a existência da comunidade trans. “A sociedade criou isso há muitos anos, de que o homem é o provedor. Não aceitam o papel do homem ser diminuído e é como se nós trans estivéssemos diminuindo essa função, porque, na visão deles, é menos um homem na sociedade”. 

          Michelly não aceita as condições impostas pelas pessoas e pela sociedade. Ela sabe que seu lugar é onde você quiser. Possui uma capacidade de resiliência inacreditável. Talvez, Michelly nem saiba o significado dessa palavra e nem tenha ouvido falar. A verdade é que essa mulher aprendeu, nas desventuras da vida, a ser uma pessoa resiliente. Resistir, existir. Mesmo sem ter plena consciência disso, Michelly é, para nós, simbologia de força no movimento LGBTQ+. “Michelly Maravilha”, apelido que, carinhosamente, demos a ela, gosta de sair para dançar, encontrar os amigos e de piscina, mas prefere ficar em casa. Michelly nos renderia uma novela: com dramas, aventuras, boas gargalhadas e, principalmente, da realidade nua e crua de uma mulher trans.

(Fotos: Lettícia Lages)

bottom of page